terça-feira, 20 de julho de 2010

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE EM REDE

QUE CARACTERÍSTICAS, COMPETÊNCIAS E RECURSOS DEVERÁ O ESTUDANTE ONLINE POSSUIR OU DESENVOLVER


Resumo

Este trabalho pretende reflectir sobre o perfil que deverá deter um aluno do ensino a distância, no quadro das alterações introduzidas pelos novos desafios colocados pela Sociedade em Rede em que vivemos no início deste novo milénio, e determinar qual deverá ser o acréscimo de competências e características que este deverá ter em relação ao estudante do ensino presencial tradicional.


Introdução

"A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede." (Castells, 1999).

"(...) a noção de sociedade em rede distingue-se do conceito corrente de sociedade da informação e do conhecimento na medida em que, ao contrário deste, não denota uma simples extrapolação tecnológica do modelo histórico progressista da sociedade industrial. (...) com a noção de sociedade em rede, Castells abriu um novo significado para a revolução tecnológica em curso na contemporaneidade. Trata-se de entender a rede como algo mais do que as redes de telecomunicações e os computadores, do que a infra-estrutura tecnológica. Com efeito, a noção de Castells coloca o foco na transformação organizativa e no surgimento de uma estrutura social globalmente interdependente, com os respectivos processos de domínio e contradomínio." (Teixeira, s/ data)

No início do terceiro milénio, os efeitos da profunda revolução tecnológica que se vinha desenvolvendo fizeram-se sentir ao nível da sociedade de forma mais marcante, alterando de forma permanente e decisiva praticamente todos os aspectos do seu quotidiano e criando uma nova forma de sociedade, que Castells viria a apelidar "Sociedade em Rede".

Segundo o trabalho conjunto desenvolvido na primeira actividade desta unidade curricular, "a expressão Sociedade em Rede é usada para descrever uma nova ordem social, que resulta da globalização de comunidades preexistentes e emergentes, organizadas em torno de interesses comuns. Trata-se, assim, de uma sociedade marcada pela multiculturalidade e diversidade, mas intimamente interligada numa escala local e global através da Internet, principal suporte de comunicação. A base material e tecnológica desta sociedade, a Internet, surge não apenas como uma tecnologia, mas igualmente como a plataforma onde se organiza a sociedade - que se conecta (liga, desliga e comunica) a um nível simultaneamente local e global."

É, pois, nesta nova sociedade, nesta sociedade em rede, que o ensino e a aprendizagem viram modificar-se irreversivelmente os pressupostos em que anteriormente assentavam, deixando de ser integralmente válidas as teorias e as práticas que até aí o eram, gerando-se novas necessidades, novos cenários, novas tendências.

O ensino a distância não foi excepção. Esta área particular da educação testemunhou o aparecimento vertiginoso de novos meios e novas ferramentas, que vieram possibilitar a adopção de novos métodos e novos processes de ensino/aprendizagem.

Como consequência, também os requisitos necessários a um estudante online se alteraram e distanciaram-se ainda mais dos de um aluno do ensino presencial.

Assim, neste novo contexto social, torna-se premente reflectir sobre que características, competências e recursos deverá o estudante online possuir ou desenvolver.


Desenvolvimento

"A demanda por formação não só está passando por um enorme crescimento quantitativo, como também está sofrendo uma profunda mutação qualitativa, no sentido de uma crescente necessidade de diversificação e personalização.

Os especialistas da área reconhecem que a distinção entre ensino «presencial» e ensino «a distância» será cada vez menos pertinente, pois o uso das redes de telecomunicação e dos suportes multimedia interactivos está integrando-se progressivamente às formas de ensino mais clássicas." (Lévy, 1999)

Nem todos os estudantes detêm o perfil adequado para frequentar o ensino a distância. Nalguns casos, é preferível não optar pelo ensino online e efectuar o percurso académico no âmbito do ensino presencial tradicional.

Segundo a Universidade Aberta (Portugal) "o ensino a distância é o conjunto de métodos, técnicas e recursos, postos à disposição de populações aprendentes, que desejem estudar em regime de auto-aprendizagem, com o objectivo de adquirir formação, conhecimentos ou qualificação de qualquer nível.

É o paradigma educacional e formativo que melhor responde à abertura às várias alteridades culturais e nacionais, existentes no mundo e possibilita um conhecimento reflexivo e crítico dos saberes mundialmente disponíveis, obtidos através de uma educação contínua (educação ao longo da vida), de modo a permitir a cada cidadão participar mais interventivamente e melhor na nova sociedade local/nacional ou na sociedade global.

A sua população-alvo é constituída por adultos dotados de maturidade e motivação que lhe permitam programar o seu estudo, seleccionando disciplinas, definindo o próprio calendário lectivo e de aprendizagem, sem estarem integrados num ambiente de aula presencial."

Um curso online é uma maneira conveniente de receber educação, não uma maneira mais fácil. A aprendizagem online implica um conjunto de desafios adicionais face aos quais se torna indispensável possuir um determinado conjunto de características e competências.

Entidades como a Universidade Aberta, o Glendale Community College e o Kellogg Community College publicam nos seus websites uma descrição do perfil que um candidato a estudante online deve ponderar se cumpre, a fim de poder trilhar, com sucesso, esse caminho.

"Os percursos e os perfis de competência são, todos eles, singulares e é cada vez menos possível canalizar-se em programas ou currículos que sejam válidos para todo o mundo." (Lévy, 1999)

Muitas dessas características e competências coincidem com aquelas que um estudante do ensino presencial também deverá deter. Porém, destaca-se um conjunto de características que um aluno a distância, em particular, deve possuir ou desenvolver.


CARACTERÍSTICAS

"(…) o processo de trabalho introduziu uma nova divisão de trabalho mais próxima dos atributos/capacidades de cada trabalhador do que da organização das tarefas." (Castells, 1999)

Auto-motivação e auto-disciplina

A liberdade e a flexibilidade do ensino a distância acarretam responsabilidade. E, como refere Pièrre Lévy, a liberdade é angustiante.

Um curso online requer verdadeiramente empenho, motivação e disciplina, a fim de dar uma resposta eficaz ao processo de desenvolvimento da aprendizagem.

A auto-motivação e auto-disciplina serão, porventura, as características mais relevantes que um estudante online deverá possuir, comparativamente com um aluno do ensino presencial.

Com efeito, será uma elevada auto-motivação que permitirá ultrapassar os momentos de cansaço, saturação, por vezes de desânimo, que poderão surgir ao longo do curso e manter o estudante focado na concretização dos seus objectivos.

Do mesmo modo, a auto-disciplina será determinante para obter os resultados pretendidos, potenciando o cumprimento do planeamento traçado e assegurando uma correcta e eficaz gestão do tempo.

Organização e planeamento

O ensino a distância não requer menor esforço ou trabalho que um curso presencial tradicional. Pelo contrário, muitos alunos que por ele optaram afirmam que aquele requer um nível de empenho mais elevado e um período de trabalho mais alargado.

Por conseguinte, um planeamento cuidado das tarefas e actividades a executar e a monitorização do seu cumprimento revelam-se indispensáveis.

Numa organização eficaz, voltada para o ensino a distância, será fundamental observar os seguintes aspectos:

• Plano periódico que permita registar as tarefas a realizar e que possibilite gerir a sua execução e acompanhar o faseamento do seu desenvolvimento.

• Definição das prioridades das tarefas a executar (as mais urgentes, as mais importantes, as mais morosas, etc.).

• Organização racional dos períodos de tempo disponíveis para trabalhar e participar nas actividades requeridas.

• Identificação dos períodos de tempo disponíveis mais produtivos, a fim de os dedicar às actividades mais exigentes.

• Resolução de quaisquer problemas que prejudiquem o trabalho, ou dele desviem a atenção, o mais brevemente possível.

Gestão do tempo

Uma gestão criteriosa do tempo tem como objectivo aumentar o ritmo de trabalho e a produtividade e implica estabelecer objectivos, metas e prioridades, uma correcta organização pessoal e uma monitorização dos prazos e do tempo dedicado às tarefas que necessitamos de desenvolver.

No contexto do EaD, esta gestão torna-se particularmente necessária, dado que a maior parte dos alunos online são adultos profissionalmente activos e com responsabilidades familiares, de onde resulta que se torna imperioso aproveitar da melhor forma possível o tempo disponível, de modo planeado e flexível.

Aptidão para trabalhar em grupo

"A aprendizagem colaborativa é um tipo de aprendizagem que resulta do facto de os indivíduos trabalharem em conjunto, com objectivos e valores comuns, colocando as competências individuais ao "serviço" do grupo ou da comunidade de aprendizagem (…) e não significa "aprender em grupo", mas a possibilidade de o indivíduo beneficiar do apoio e da retroacção de outros indivíduos durante o seu percurso de aprendizagem." (Morgado, 2001:136)

Muitos cursos online incluem actividades em grupo, o que exige dos alunos capacidade para trabalhar eficazmente de forma cooperativa.

Assim, é conveniente assegurar uma comunicação frequente com os colegas, contactando-os síncrona ou assincronamente, contribuindo de forma eficaz e empenhada para os objectivos do grupo e adoptando uma atitude colaborativa, construtiva, dialogante e cordial.

A partilha de trabalho e de actividades educativas é parte do processo de aprendizagem em grupo, para o qual é primordial considerar os pontos de vista de terceiros, negociar e obter consensos.

Na ausência destas capacidades, e dado que, no ensino a distância, os confrontos de ideias são incentivados, haverá o risco de surgirem conflitos, com maior ou menor impacto negativo nos objectivos a atingir pelo grupo.

Capacidades de pesquisa, interpretação e crítica

Uma vez que o volume considerável de textos e livros publicados na Internet constitui a fonte principal de informação num curso online, tornam-se indispensáveis competências que permitam pesquisar de forma efectiva essa informação, lê-la criticamente (avaliando o seu rigor e confiabilidade), analisá-la, interpretá-la e compreendê-la.

Pedir auxílio quando um problema surge

De acordo com o Guia do estudante online da Universidade Aberta,"ser estudante do ensino online exige, entre outros aspectos, a adaptação a um conjunto de situações novas que implicam uma aprendizagem inicial com as quais não se encontra ainda familiarizado.

Na verdade, o percurso académico de qualquer estudante está naturalmente muito marcado pela interacção e comunicação presencial. Foi esta a experiência que teve ao longo de toda a sua formação.

Ora, a comunicação e a interacção nos ambientes virtuais de aprendizagem - o ensino online - é diferente e exige a aprendizagem de diversos aspectos." (Pereira, Mendes, Mota, Morgado & Aires, 2004)

A interacção online é substancialmente diferente daquela que se estabelece numa sala de aula tradicional. As características de uma sala de aula virtual não são, nem pretendem ser, uma réplica da sala de aula presencial.

Habitualmente, no ensino presencial, um professor ou formador experiente conseguirá detectar na linguagem não verbal do aluno ou formando comportamentos reveladores de dificuldades ou problemas na aprendizagem, tais como dúvidas, alheamento, aborrecimento, frustração, ou simplesmente cansaço.

No ensino a distância, isso torna-se muito mais difícil, senão mesmo impossível.

Assim, se um estudante não comunicar rapidamente ao professor as dificuldades que está a sentir, este, não podendo detectá-las, não poderá tomar iniciativas no sentido de auxiliar e orientar esse aluno, correndo este o risco de ser ultrapassado pelo desenrolar do curso, de forma irreversível.

É, pois, necessário que o aluno adopte uma atitude assertiva e pró-activa no sentido de solicitar a intervenção do professor, no caso de se deparar com dificuldades na aprendizagem que sozinho não consiga ultrapassar.


COMPETÊNCIAS

"Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira." (Lévy, 1999)

Também um conjunto de competências são necessárias a um estudante online que pretenda concluir com êxito a sua formação a distância. São elas:

Comunicação escrita

Uma vez que a maior parte da comunicação e interacção, em ambientes virtuais de aprendizagem, se estabelece por escrito, é fundamental que os estudantes dominem proficientemente a linguagem escrita e sejam capazes de comunicar de forma objectiva e clara desta forma.

Uma boa capacidade de argumentação é, igualmente, um factor favorável.

Domínio de idiomas

A língua inglesa é a adoptada internacionalmente para a publicação de trabalhos académicos e documentos de cariz científico. Por esse motivo, o seu conhecimento é imprescindível para um estudante do ensino a distância.

Igualmente o domínio do Francês e do Castelhano poderá revelar-se útil, particularmente no caso de alguns autores ou em algumas áreas científicas.

Aplicações informáticas

"(...) o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas: a memória (bases de dados, hipertextos, fichários digitais de todas as ordens), a imaginação (simulações), a percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), os raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenómenos complexos).

Tais tecnologias intelectuais favorecem novas formas de acesso à informação, como: navegação hipertextual, pesquisa de informações através de motores de busca, knowbots, agentes de software, exploração contextual por mapas dinâmicos de dados, novos estilos de raciocínio e conhecimento, tais como a simulação, uma verdadeira industrialização da experiência de pensamento, que não pertence nem à dedução lógica, nem à indução a partir da experiência." (Lévy, 1999)

O ensino online assenta primordialmente na utilização de equipamento informático e das respectivas aplicações. Neste quadro, o domínio da utilização de um sistema operativo, um processador de texto, um gerador de apresentações gráficas, uma ferramenta de desenho, um browser, uma aplicação de correio electrónico e, em alguns casos particulares, uma folha de cálculo, um gestor de bases de dados e uma agenda electrónica serão indispensáveis a quem optar por esta forma de aprendizagem.


RECURSOS

"A tecnologia não determina a sociedade: incorpora-a, (…) nem a sociedade determina a inovação tecnológica: usa-a." (Castells, 1999)

Por fim, haverá, ainda, um conjunto de recursos requeridos, sem os quais não seria possível a participação nesta forma de aprendizagem:

Hardware, software e acesso à Internet

"A rede é um conjunto de nós interligados. Um nó é o ponto no qual uma curva se intercepta. O nó a que nos referimos depende do tipo de redes em causa." (Castells, 1999)

Um curso online utiliza o computador e o acesso à Internet como meio de comunicação.

Por este motivo, o aluno deverá possuir um computador, uma impressora, equipamento multimédia, o software necessário anteriormente referido e uma conta de correio electrónico, bem como ter um acesso on-line ininterrupto e suficientemente rápido à Internet, o qual poderá ser na sua residência, no seu local de trabalho, no laboratório de informática de uma escola, ou numa biblioteca.

Plano de contingência

A tecnologia irá inevitavelmente falhar, algum dia. A Lei de Murphy é implacável. Tendo isto em conta, um aluno de um curso online deverá estar preparado para os momentos em que o acesso à Internet é interrompido ou, devido a uma avaria ou a uma infecção por vírus, o computador deixa de funcionar, ou se verifica uma perda de informação.

Para isso, é indispensável efectuar cuidadosa e frequentemente cópias de segurança dos ficheiros, e-mails e endereços dos favoritos, podendo utilizar para esse efeito os vários serviços disponíveis na Web 2.0, um segundo disco rígido (interno ou externo), Pen Drives, CDs, DVDs ou outros periféricos de armazenamento em massa.

Um segundo computador, que será utilizado em casa de avaria do PC habitual, também constituirá uma boa solução, nos casos em que isso for financeiramente viável.

Uma questão de mais difícil resolução, sobretudo no período em que a maior parte dos locais de trabalho se encontra encerrados, é a possibilidade de um corte no fornecimento de sinal por parte do nosso Internet Service Provider. Nesta circunstância, recorrer a um familiar, a um amigo ou a um colega será a solução mais indicada.


Conclusão

Neste novo cenário caracterizado pelas drásticas e fervilhantes transformações na educação, em geral, e no ensino a distância, em particular, resultantes de uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede, ressalta a necessidade de um estudante online ter que se munir de um conjunto de competências e características mais alargado, em comparação com o aluno do ensino presencial.

Esse acréscimo dever-se-á às diferentes exigências que o ensino online apresenta em relação ao ensino tradicional e deverá incluir uma inquebrantável auto-motivação, uma auto-disciplina mais firme, uma organização mais cuidada, um planeamento mais rigoroso e uma gestão do tempo mais eficaz.

Do mesmo modo, será aconselhável uma capacidade de pesquisa e de análise mais aguçada, um espírito crítico mais apurado e uma maior facilidade de expressão escrita.

Apesar desta maior exigência, o ensino online revela-se uma forma de educação extremamente válida e muito gratificante, capaz de gerar competências e transmitir conhecimento aos alunos que optarem por esta forma de educação, constituindo-se como a forma de ensino mais aberta e voltada para as inovações que o futuro presumivelmente trará.

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