A PROBLEMÁTICA DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
Caros colegas
A ausência de auto-moderação acaba por ser uma forma de moderação.
Se, porventura, for essa a estratégia de moderação escolhida pelo grupo-turma, ainda que tacitamente, por inexistência de uma deliberação nesse sentido, creio que isso não retirará empenho nem participação a este debate.
Assim, posto que o prazo limite para o términus desta actividade expira daqui a 3 dias e dado que sempre privilegiei o pragmatismo e o conteúdo em detrimento da forma, sugiro que, para evitar um impasse decorrente da falta de definição, até agora, de estratégia de moderação e de quem a concretizará (provavelmente por todos estarmos assoberbados com as actividades das várias UCs), cada um apresente as suas reflexões tendentes a dar respostas às questões lançadas pelo professor sobre esta temática.
Neste sentido, exponho, de seguida, a minha interpretação em relação ao tema em causa, a problemática da produção do conhecimento.
Os historiadores fixam, habitualmente, o período da Idade Moderna entre 1453, ano da queda de Constantinopla e, consequentemente, do Império Romano do Oriente, e 1789, ano em que se dá o começo da Revolução Francesa, pondo fim ao Antigo Regime e iniciando o período da pós-modernidade, a Idade Contemporânea.
"Neste período, entre os séculos XVI e XVIII, assistiu-se ao desenvolvimento europeu, caracterizado pela passagem do feudalismo, singularizado por um mundo rural dominado pelas relações senhoriais, ao capitalismo, caracterizado pelo dinamismo da sociedade urbana ". [1]
O conceito de modernidade remonta aos sécs. XV e XVI e remete-nos para as polémicas renascentistas em que várias correntes humanistas defendiam a ideia de uma vida nova, moderna, por oposição ao passado cultural escolástico medieval, antigo.
Assim, o termo "moderno", que surgiu para caracterizar uma época muito concreta, em que e sociedade europeia se libertava do medievalismo, acabou por ver modificado o seu significado ao longo do tempo, traduzindo, nos dias de hoje, o conceito de presente, actual.
"A partir de 1765, com a invenção e o posterior melhoramento da máquina a vapor por James Watt, inicia-se, na Inglaterra, a Revolução Industrial, que iria modificar o mundo a uma velocidade cada vez maior. Depois disso, nada continuou como dantes. Surgiu um novo tipo de inferno. Tinha chegado o capitalismo. Neste sistema, grandes capitais conduziram a que se reunissem energias enormes para mover muitas máquinas que eram manejadas por muitos homens em simultâneo a fim de produzirem enormes quantidades de produtos de massas para mercados gigantescos para voltarem a gerar quantidades gigantescas de capitais. Uma vez posto em marcha, este processo foi-se acelerando a si próprio. Este sistema fabril possibilitou a pior espécie de exploração desde as pedreiras de Siracusa e a mina de prata de Potosi. Os trabalhadores já não estavam organizados em corporações e, assim sendo, encontravam-se desprotegidos. Trabalhavam por uma miséria em turnos de dez a doze horas, em condições sanitárias horríveis e viviam em bairros de barracas. Essa situação deveria tornar-se o pretexto para a criação dos sindicatos e para a crítica do capitalismo de Karl Marx. A aceleração da transformação de todas as condições de vida causa uma revolução cultural que designamos por Romantismo ". [2]
Fiz esta talvez um pouco longa introdução com o objectivo de tentar contextualizar o parágrafo com que o Prof. António Teixeira dá início a este debate.
Com efeito, "O traço típico da modernidade foi a aceleração da vida. Tudo se tornou mais rápido e, consequentemente, mais instável e menos certo. Com a pós-modernidade, esse traço não se perdeu."
A aceleração da produção do conhecimento não foi excepção e a nova dimensão que esta adquiriu, com o alargamento exponencial do número dos produtores e utilizadores do conhecimento, tem uma notável semelhança com o colossal aumento de produção de bens de consumo e do alargamento dos mercados para a sua colocação, que a Revolução Industrial veio despoletar.
Ou seja, criou-se um capitalismo da produção do conhecimento, onde um grande número de investigadores, cientistas e intelectuais, trabalhando tantas vezes mais de doze horas diária, conduziu a que se publicasse um número cada vez maior de artigos e obras científicas, a fim de satisfazer a crescente procura por parte de um número cada vez maior de consumidores desse conhecimento. Uma vez posto em marcha, este processo foi-se acelerando a si próprio.
Uma das consequências desta aceleração da produção do conhecimento foi a possível rápida desactualização desse conhecimento (ou parte dele), correndo por vezes o risco de perder a sua utilidade e validade.
De facto, podemos verificar que o mesmo tem acontecido na produção de bens de consumo, onde a evolução e o melhoramente de um produto, ou a criação de um novo, levaram à inevitável diminuição das vendas e ao esquecimento do produto original.
Uma das soluções adoptadas para tentar potenciar a colocação de um produto, quando a sua aceitação começa a revelar dificuldades, pode encontrar-se em ambos os tipos de produção: as técnicas (inicialmente bastante incipientes e que evoluíram, mais tarde, para terrivelmente eficazes) de Publicidade e Markting, com acções cada vez mais elaboradas e sofisticadas, capazes de cativar o mais refractário.
Ou seja, a produção do conhecimento passou a reger-se pelas leis do mercado e o conhecimento passou a ser produzido e comercializado como um mero bem de consumo, sujeito a objectivos e a intenções que não têm a ver, apenas, com a sua produção desinteressada. Para comprovar a que acabo de referir, basta pensarmos na ênfase que é dada actualmente aos direitos de autor e à propriedade intelectual, na sobreposição de critérios editoriais aos critérios científicos, aos objectivos profissionais subjacentes à produção desse conhecimento, ou reflectirmos sobre a quantidade de doutoramentos que, nos últimos anos, e devido à nova legislação, tiveram lugar com o objectivo de garantir a continuidade da carreira docente universitária.
Longe vão os tempos em que a produção do conhecimento era desprendida e desligada de intuitos profissionais, comerciais ou de lucro, como acontecia na Antiguidade Clássica.
Até aqui, foi possível estabelecer um paralelismo entre o que diz respeito a estes dois universos de produção: o dos bens de consumo e do conhecimento. Porém, não nos é possível prever como irá evoluir daqui em diante, pois a história iniciada com a Revolução Industrial ainda não chegou ao seu epílogo e, portanto, ainda não nos é possível recolher esses ensinamentos. O papel da História acaba aqui. Com ela compreendemos melhor o passado e o presente, mas não nos permite fazer futurologia.
Porém, sabemos que os excessos e alguns desvarios do período Moderno, nomeadamente uma visão exclusivamente racional e objectiva, levaram, no final do séc. XVIII, ao aparecimento do Romantismo, um movimento, político, filosófico e artístico caracterizado por uma visão do mundo contrária ao racionalismo, marcado pelo lirismo, pela subjectividade, pela emoção e pelo eu, e nostálgico do passado pré-moderno.
O Romantismo, sustentado filosoficamente em três pilares, o individualismo, o subjectivismo e a intensidade, passou a designar uma visão do mundo centrada no indivíduo e pretendeu revelar a parte do homem oculta pelas convenções estéticas e sociais. Contra a ordem e a rigidez intelectual clássica, os artistas românticos imprimiram maior importância à imaginação, à originalidade e à expressão individual, através das quais poderiam alcançar o sublime e o genial, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo.
Não é de prever que algo idêntico aconteça num futuro próximo, em relação à produção do conhecimento e surja um movimento neo-neo-Romântico (provavelmente com outra designação) com o objectivo de libertar a produção do conhecimento das necessidades e dos constrangimentos com que hoje se debate?
No actual formato de sociedade industrializada, parece-me difícil, dado que se me afigura impossível dissociar essa produção das necessidades de sobrevivência económica e de prossecução da carreira profissional, mas seria seguramente uma produção mais isenta, mais objectiva e mais fecunda, caso fosse possível.
[1] Pere Molas, El Concepto de Edad Moderna Europea, 1993.
[2] Dietrich Schwanitz, Cultura: Tudo o que é preciso saber, 6ª edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2006.
terça-feira, 22 de junho de 2010
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