Caro Joaquim
Em resposta ao teu último e excelente post, gostaria de continuar contigo a contextualização histórica, bem como clarificar alguns pormenores.
Assim, quando disse "surpreende-me que sua a inquietação surja tão tardiamente no tempo histórico", não me referia ao período em que o fez, nem à idade com que o fez. Mea culpa. Não fui claro o suficiente ao expressar-me. Pretendi, sim, dizer que se todo este processo que conduziu ao desaparecimento das formas tradicionais de encarar o tempo e o espaço já se tinha iniciado muito antes, remontando ao período da expansão terrestre e marítima europeia iniciada no séc. XIV, e acelerando ao longo dos séculos seguintes, (portanto, bem antes da revolução industrial e do o desenvolvimento da ciência a partir do séc. XVII) constituindo os primeiros passos daquilo que agora apelidamos de globalização, os seus efeitos já se vinham fazendo sentir há muito tempo e só agora é que Virilio lança o seu angustiado grito de alerta.
Qual é o limite que o autor acha que foi ultrapassado e quando é que ele entende que isso aconteceu?
Na minha opinião, já há duas décadas atrás, com a tecnologia dos anos 80 do séc. XX (satélites, televisão, rádio, telefone, telex, minitel, computadores, correio postal, infraestruturas de estradas e auto-estradas, portos e aeroportos e rápidos meios de comunicação terrestres, marítimos, aéreos e espaciais) o mundo tinha encolhido dramaticamente comparando com os séculos anteriores. As formas tradicionais de encarar o tempo e o espaço já tinham sido irreversível e profundamente alteradas. Ora, nas minhas leituras de Virilio não encontrei alertas de perigo em relação a este período.
Só porque estas formas de encarar o tempo e o espaço foram um pouco mais modificadas com o aparecimento da rede global e a informação, de forma veloz, passou a circular velocíssima. Poderá este acréscimo de velocidade (muito pequeno à escala da história conjuntural, de ritmo mais lento, irrelevante à escala da história estrutural, de longa duração, e apenas passível de ser registado na história dos acontecimentos, de tempo curto, de acordo com a perspectiva Braudeliana) justificar o súbito aparecimento de todos os receios de Virilio?
É aqui que me surpreende que "a sua inquietação surja tão tardiamente no tempo histórico".
Terei conseguido, agora, ser um pouco mais claro nas minhas reflexões?
Quanto ao aparecimento das "novas tecnologias", referi: "As "novas tecnologias" não apareceram no final do séc. XX. Bem pelo contrário. A agricultura foi uma nova tecnologia. A escrita foi uma nova tecnologia. A máquina a vapor foi uma nova tecnologia. A transmissão de mensagens por código Morse foi uma nova tecnologia. A Humanidade tem consciência disto desde a altura em que as inovações começaram a ocorrer. Não é de agora. Não é recente. Não constitui novidade".
Afirmei-o com a intenção de contrariar a impressão que existe actualmente que é a primeira vez que a Humanidade se defronta com uma alteração profunda do quadro tecnológico, e não as pretendi incluir no campo das tecnologias de que Virilio fala.
Reconheço-te o mérito de teres detectado um lapso que cometi. De facto, a escrita não é intrinsecamente uma tecnologia, embora as técnicas de fabricar os materiais a ela necessários e os processos de a passar à pedra, ao barro, ao papiro ou ao pergaminho o sejam.
Porém, discordo frontalmente da tua afirmação "é difícil encontrar algo na agricultura que possamos dizer "Atenção! Que há a possibilidade de haver um grave problema". O que dizer do excesso de desflorestação a fim de conseguir zonas destinadas à agricultura, com as inerentes consequências no aumento do efeito de estufa? Ou a poluição do ambiente com pesticidas? Ou, ainda, da destruição de solos pela prática agrícola demasiadamente intensiva ou pelo uso abusivo de químicos? Ou, ainda mais grave, a seca de zonas outrora cheias de água pelo desvio descuidado e irresponsável de rios? Ou a salinização dos solos que os esterilizam? Isto deve fazer levantar o sobrolho a toda a população mundial e não apenas a uns quantos caçadores-recolectores.
Tal como tu, temo que estas considerações nos tenham afastado um pouco do tema do nosso debate. Mas há assuntos que nos são particularmente queridos e aos quais não resistimos a tentar aprofundar.
Haveria uma série de outros aspectos colaterais a esta discussão que gostaria de continuar a debater contigo, mas, aí sim, afastar-nos-íamos ainda mais dos nossos objectivos.
Cumprimentos
Fernando Faria
segunda-feira, 26 de abril de 2010
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