quarta-feira, 14 de abril de 2010

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE EM REDE

Actividade 2: Proposta de exemplos representativos de cibercultura


Temática: O FENÓMENO DA CIBERCULTURA

Pierre Lévy, na página 17 da sua obra "Cibercultura", define o neologismo “cibercultura”, como o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desen-volvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, sendo este último o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comu-nicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

Este ciberespaço não pára de se alargar, com a constante chegada de novos utilizadores que diariamente se jun-tam aos muitos milhões que actualmente têm já acesso à Internet.
Com esta proliferação de inúmeros novos nós desta enorme rede mundial, aumenta, proporcionalmente, o número de novos consumidores de informação, mas também o número de novos emissores, dado que, sobretudo com o advento da Web 2.0, todos os utilizadores que assim o desejarem poderão produzir e publicar os conteúdos que entenderem.

No seu artigo "A emergência do ciberespaço e as mutações culturais", Pierre Lévy estabelece a tipologia dos dispositivos de comunicação; um primeiro chamar-se-á Um-Todos, onde não há interactividade porque existe um centro emissor e uma multiplicidade de receptores. Um segundo será do tipo Um-Um, onde não existe uma emergência do colectivo da comunicação, como é o caso do telefone. O espaço cibernético introduz o terceiro tipo, com um novo tipo de interação que poderíamos chamar de Todos-Todos, que é a emergência de uma inte-ligência colectiva.

Por outro lado, no capítulo "O universal sem totalidade, essência da cibercultura", o mesmo autor distingue três grandes etapas da história:
- A das pequenas sociedades fechadas, de cultura oral, que viviam uma totalidade sem Universal;
- A das sociedades «civilizadas», imperiais, que usam a escrita, que fizeram surgir um Universal totalizante;
- A da cibercultura, que corresponde à mundialização concreta das sociedades, que inventa um Universal sem totalidade
.

Este ciberespaço, com a sua interacção Todos-Todos, e esta cibercultura, com a sua mundialização das sociedades, tiveram como consequência, entre muitas outras, aquilo que Roy Ascott classifica como um segundo dilúvio que ameaça fazer desaparecer a sociedade contemporânea, o dilúvio de informações, essa profusão e a essa desordem provocadas pelas inumeráveis fontes da Web, onde cada indivíduo ou grupo pode tornar-se emissor e aumentar, assim, o seu fluxo.

Desde o tempo em que um homem como Leonardo da Vinci podia abarcar, com uma extraordinária competência, uma profusão de disciplinas do conhecimento, da técnica ou da arte, ou que um grupo de homens, como Diderot e D'Alembert, pretendia abarcar grande parte do conhecimento na sua Enciclopédia, até aos dias de hoje, com o aumento constante e cada vez mais acelerado dos conhecimentos científicos e técnicos, a pretensão de domínio da totalidade do saber por um indivíduo ou por um grupo tornou-se impossível de atingir.

Até aos anos 60 do séc. XX, as competências adquiridas na juventude continuavam, normalmente, em uso no final da vida activa. Porém, novos procedimentos e novas técnicas surgiam. À escala de uma vida humana, a maior parte do know-how útil era perene. Nos nossos dias, a situação mudou radicalmente, pois a maioria dos saberes adquiridos no começo de uma carreira estarão obsoletos no fim de um percurso profissional, até mesmo antes. As desordens da economia, assim como o ritmo precipitado das evoluções científicas e técnicas, determinam uma aceleração generalizada da temporalidade social.

Assim, perante esta torrente imparável de novos conhecimentos e de novas técnicas, esta quantidade incomensurável de informação existente na Web, Pierre Lévy formula as seguintes perguntas: O que salvar do dilúvio? O que é que colocaremos na arca como resumo de todo o conhecimento aí existente?
A solução que Noé adoptou para salvar as espécies animais do dilúvio já não é passível de ser implementada, actualmente, neste contexto, dada a impossibilidade de fazer esse resumo de todo o conhecimento quase infinito e sempre em crescimento: Pensar que poderíamos construir uma arca que contivesse o “principal” seria precisamente ceder à ilusão da totalidade.

Numa entrevista dada em Janeiro de 2001, o autor propõe-nos uma solução para este problema: cada indivíduo, cada grupo, deve fazer a sua filtragem, a sua selecção, a sua organização, a sua hierarquização, sem o que não será possível dar um sentido a essas informações. Com a totalidade de informações em bruto não é possível ter uma noção rigorosa e precisa dessa mesma informação. Mas devemos ter consciência da nossa responsabilidade quanto à fabricação desse sentido. Já não cabe a terceiros dizer qual o significado das coisas. Cabe a nós assumir a responsabilidade de fazer uma escolha. A escolha é nossa. Somos livres e os outros também são. O sentido depende de nós.

Assim, caberá a cada cidadão, com a sua responsabilidade individual, fazendo a sua selecção livre e consciente, a preservação do essencial do património cultural da Humanidade ameaçado por este dilúvio de informação.

As esperanças que actualmente se depositam na Web 3.0, pretendendo ser a organização mais racional e o uso de maneira mais inteligente de todo o conhecimento já disponível na Internet, têm estas preocupações como base.

De acordo com Pierre Lévy, os três princípios da cibercultura são: a interconexão, as comunidades virtuais e a inteligência colectiva.
Para a cibercultura, a conexão é sempre preferível ao isolamento. A conexão é um bem em si. (...) a interconexão constitui a humanidade em contínuo sem fronteiras (...) A interconexão tece um universal por contacto.
(...) o desenvolvimento das comunidades virtuais apoia-se na interconexão. Uma comunidade virtual é constituída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, de projectos mútuo, num processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais
Um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como comunidade virtual para aproximar-se do ideal colectivo inteligente (...) a inteligência colectiva seria a sua perspectiva espiritual, a sua finalidade última.


Como novos tipos de conhecimentos no seio da cibercultura, Lévy destaca a simulação e os sistemas periciais, traduzidos como sistemas experts no e-book Cibercultura.
A simulação tira partido da enorme capacidade de processamento, cálculo e de modelação de imagens e sons de que os computadores actualmente dispõem.
Como exemplos do nosso dia-a-dia, temos as simulações que fazemos a fim de sabermos quanto iremos receber ou pagar em sede de IRS, em função de alterações que podemos introduzir nas rubricas de proveitos ou de des-pesas, quanto pagaremos mensalmente ao banco como prestação do empréstimo para aquisição de casa própria, em função do valor desse empréstimo a contrair ou em função do período de duração desse empréstimo, ou, ainda, como ficará a nossa moradia, mediante as formas ou as cores que escolhamos.
As técnicas de simulação, em particular as que envolvem imagens interactivas, não substituem os raciocínios humanos, mas prolongam e transformam as capacidades de imaginação e pensamento.
A simulação é uma ajuda para a memória de curto prazo que envolve não imagens fixas, textos ou tabelas de números, e sim dinâmicas complexas. A capacidade de fazer variar facilmente os parâmetros de um modelo e observar de imediato e visualmente as consequências dessa variação constitui-se numa verdadeira ampliação da imaginação.

Os sistemas periciais, tradicionalmente englobados na Inteligência Artificial, começaram por ser meros problem solvers. Numa fase posterior, tentou-se que representassem o conhecimento. Por fim, evoluiu-se para o conhecimento especializado num domínio restrito, conduzindo posteriormente a investigação para a utilização de sistemas periciais em ambientes de tempo real.

Outro exemplo de produção cibercultural será a aprendizagem aberta e à distância. A demanda por formação não só está passando por um enorme crescimento quantitativo, como também está sofrendo uma profunda muta-ção qualitativa, no sentido de uma crescente necessidade de diversificação e personalização. (...) Vê-se como o novo paradigma da navegação (em oposição ao do «cursus»), que se está desenvolvendo nas práticas de colecta de informação e de aprendizado cooperativo no seio do ciberespaço, mostra a via de um acesso ao mesmo tempo maciço e personalizado ao conhecimento. As universidades e, cada vez mais, as escolas de primeiro e segundo graus oferecem aos estudantes a possibilidade de navegar sobre o oceano de informação e conhecimento acessível pela internet. Programas educativos podem ser seguidos à distância pela World Wide Web.

Pierre Lévy termina o capítulo "O universal sem totalidade, essência da cybercultura" afirmando que a cibercultura encarna a forma horizontal, simultânea, puramente espacial da transmissão. Só liga no tempo como acréscimo. A sua principal operação está em conectar no espaço, construir e estender os rizomas do sentido.

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